quarta-feira, 15 de abril de 2009

Será que Caetano vai gostar?

A Bahia tem muitos estilos. Na música isso não é tão difícil perceber, para quem vive aqui, claro.
A indústria vive para o Axé Music, mas a Bahia vai além. É muito mais que isso, e tem muita gente bacana tocando por aqui. Eu gosto dessas bandas independentes, de estilo alternativo, que encontra no rock´n´roll, na MPB, no samba de roda do Recôncavo, na música eletrônica, no rocksamba à moda dos Novos Baianos, no triphop, na velha bossa nova, no forró, as muitas caras da cidade.
Li a respeito da Marcela Bellas, fui ao site conferir seu trabalho. Gostei bastante das músicas, me deram muito prazer em escutá-la. Em uma entrevista à Revista Muito, do jornal A Tarde, Marcela conta que o nome do disco se deve a sua grande admiração pelo Caetano Veloso. Para mim vem bem a calhar, pois se Caetano consegue gostar de Psirico - quebrando o tabu de que os intelectualóides não podem gostar do simples, do que vem a ser do povo, só nos resta saber se os outros tantos metidos a pseudo-cultos são capazes de largar o copinho de whisky, e seus best-sellers para apreciar um som que nem requer compromisso.




Site da Marcela Bellas





sexta-feira, 3 de abril de 2009

Baianidade - Crônica

A Bahia da caricatura é aquela na qual as pessoas de fora vêem uma rede esticada, muito suor e muita preguiça. Digo que é folclore. Não apenas pelo fato de ser baiana e falar de baianidade, me ligando diretamente às minhas raízes, devota que sou de Nossa Senhora do Dendê. Salvador é uma cidade vibrante, cosmopolita, que está bombando na área imobiliária.
Falar de baianidade em si não é somente a descrição exata das festas populares ou dos nossos traços marcantes, ditos como baianos. Na realidade, não é nem mesmo uma filosofia de vida ou doutrina zelosa a qual nós, nos entregamos de corpo e espírito – apesar de que tanto o corpo como o espírito têm muito haver com o assunto. É ser em uma simples palavra, baiano. Que não é lerdo, ou devagar. Ele só não é bobo de ter as angústias que os outros têm.
Tem gente que acha que Salvador dá choque – choque de culturas quero dizer. Essa história do carnaval o ano todo, do sossego radical, do timing só do baiano. O verdadeiro choque é de outra natureza: é o choque da magia que perfuma o ar, de uma malemolência que não tem a ver com indolência, de uma paisagem que não há pressa nem tensão que consiga estragar. Numa outra crônica que escrevi enquanto morava no Rio de Janeiro, eu dizia que a vontade de Bahia está acima de qualquer problema. Problemas no trabalho: Bahia; briga na família: Bahia; fim de namoro: Bahia... Por que só há no mundo um lugar que permita todos os gritos, sem profanar o sagrado de cada silêncio. Bahia de Todos os Santos e a benção de problema nenhum.
O baiano sabe sentir – ao pé da letra – sua cidade. A relação do morador com Salvador é sensual, afetuosa, emocional. Depois de algum tempo surgem outras imersões. Mergulhe no candomblé: culto de beleza e de tolerância. A Bahia, a começar por Salvador, é a garantia de que o Brasil nunca perderá seu sangue negro e sua raiz afro. Não por acaso o Brasil foi descoberto na Bahia. Aqui foi que tudo começou. E no fundo, todo brasileiro se sente íntimo da cidade, mesmo sem nunca ter posto os pés aqui.
O Rio deu Villa-Lobos, Tom Jobim e Chico Buarque, mas nenhum deles se empenhou tanto em descrever a cidade como Dorival Caymmi fez com sua terra natal. As pessoas não precisam vir até aqui para saber como é a Lagoa do Abaeté, a procissão para Iemanjá... Caymmi criou até samba-receita para revelar como se faz vatapá. Sem falar de Jorge Amado e Carybé (ter nascido na Argentina foi um mero acidente para o pintor), que carimbaram imagens definitivas em nossos cérebros. Quem vem de longe, e ouve o seu chamado, logo sente o afago da doce brisa desses ventos elísios, como bem descreveu Vinícius de Moraes, "que é bom passar uma tarde em Itapuã”.
A Bahia de Todos os Santos, cidade de dois andares e muitas colinas, perdeu o medo de se sentir radicalmente contemporânea, mesmo porque o hálito de mudança urbanística, cultural e social que dela emana hoje não compromete a tradição, porque a Bahia não pode viver sem sua abusada tropicalidade. Isto é um pouco da baianidade que te juro, não sei nem um décimo: o sorrir do corpo, o rejubilar da alma, numa sincronia encontrada apenas aqui, na Bahia.


E você, “... já foi à Bahia, nêga?”

Não?

“... então vá!”