sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Jornal O Bozó - Perfil

O Abará Originalizado

Há nove anos fazendo sucesso com a clientela do bairro do Imbuí, Edgar é um homem simples, comunicativo e curioso que encontrou na comercialização do abará uma maneira de inovar no sabor de um dos principais quitutes da Bahia.

Mayra de Miranda (mayrademiranda@yahoo.com.br)


Seu nome é Edgar, tem 35 anos, mas todo mundo o conhece como Original, e é dono da bicicleta estilizada onde transporta seu produto – o Abará Móvel. Soteropolitano e com interesse por essa comida trazida pelos africanos para o Brasil, Edgar pesquisou o sabor, as variações, e com o tempo foi desenvolvendo receitas diferentes para fazer o abará. Surgiram no decorrer desses nove anos mais de 28 sabores diferentes: abará com azeitona, com bacalhau, com sardinha…

Quando cheguei na hora do nosso encontro em sua casa, ouvi prontamente um “E aí, tudo originalizado?”, como sempre sorrindo e juntando as palmas das mãos à frente do peito e acenando com a cabeça – lembrando o cumprimento dos japoneses. Original também estava acabando de chegar em casa, abrindo seu cantinho, que ele chama de “minha cozinha”. O espaço é uma loja alugada, com uma porta de correr de ferro comum a esse tipo de estabelecimento. De estatura média e pele clara – alguns chamam de parda -, foi uma surpresa vê-lo sem a roupa tradicional (trajes africanos: roupas com estampas africanas, calça pescador e blusa, sandália de couro, boina, colar de semente e guias). Estava de bermuda jeans, sem camisa, separou certa quantidade de camarão seco para descascar e quis dar início a nossa conversa.

Logo na entrada fica seu material de trabalho, duas bicicletas estilizadas, um tabuleiro – igual a das baianas que a gente vê por aí, que ele usa quando faz eventos, dois freezers. A loja, ou a cozinha, como ele prefere chamar, ainda tem o banheiro, e nos fundos, a pequena cozinha propriamente dita. Nesse canto é também onde ele mora.

O começo – Tinha um emprego fixo. Era assessor parlamentar. Mas, sem dinheiro no carnaval de 2001, Edgar queria vender algum produto para passear com sua esposa na época, na Quarta-feira de Cinzas. “Na verdade eu já tinha uma experiência em vendas, eu sei vender, tenho certa prática, de lidar com pessoas, apresentar o produto, né?”.

Edgar tem um círculo familiar pequeno – uma irmã e a mãe. Mas quando indaguei, ele afirmou que não entrou nessa por influência da família; e, continuou… No carnaval, como tinha duas amigas que são baianas de acarajé, elas o ajudaram a preparar 100 abarás tradicionais e ele conseguiu vender tudo em uma hora e meia, com seu jeito comunicativo e criativo. Satisfeito com os elogios do pessoal, se empolgou e entrou na onda de produzir e vender juntamente com sua companheira. O casamento não deu certo, mas a clientela continuou bem feliz e satisfeita e isso o motivou a continuar.

Paralelamente ao trabalho formal de assessor, aproveitou seu tino para vendas, começou a comercializar o seu produto para os lojistas do Shopping Barra, transportava os quitutes em sacolas térmicas, entregava em embalagens discretas para despistar. Também vendia no bairro boêmio do Rio Vermelho, mas como havia se mudado para a Boca do Rio, resolveu, depois de um tempo, fixar suas vendas na região do bairro do Imbuí, e, quando sentiu que podia seguir em frente, largou o emprego na política. Como o negócio é próprio, ele mesmo faz seu calendário e tira folga sempre que dá, geralmente em um mês ele faz seus passeios por quatro ou cinco dias.

Tradição e criatividade – Para manter a tradição, ele serve o abará como, segundo ele, era servido na África, fechado e com as opções misturadas na massa. Mas ele também destaca a criatividade culinária como parte de sua arte, e conta que inovou no abará de forno – que chama de abarafo – ou com menos azeite de dendê, ou sem camarão, mais leve.

Entre os 28 sabores, os mais pedidos pelos clientes são: camarão, bacalhau, manjericão, merluza, atum, sardinha, azeitona, florestal, turbinado, alho grego, ervas finas, erva-apimentada, Xlight Consistente, anti-alérgico (com outros temperos, sem o camarão), extra-protéico… Extra-protéico? “É proteinado, vitaminado e anti-alérgico!”. Como é um petisco bem temperado, ele serve de acompanhamento apenas um patê de pimenta criado por ele mesmo, que ele chama de “Vatá-Patê”.

“Não é fácil satisfazer o paladar das pessoas”, ele conta, “mas ao oferecer a degustação faz com que o abará seja aceito”. Hoje, Edgar chega a vender uma média de 150 durante o fim de semana e 40, 50 durante a semana. Vai às feiras quase todos os dias, São Joaquim, Sete Portas, e algumas vezes recebe o produto em casa.

Sempre inventando sabores, criou o “chocobara”, para a época da Páscoa, feito para os clientes mais especiais. São 14 quilos de chocolate, preparados e embalados igualzinho a um abará tradicional, que surpreende o cliente que acha que está ganhando um abará temperado do seu cardápio costumeiro. Perguntei, com água na boca, se para o Natal também há um abará-surpresa, mas ele disse que, para essa época não prepara nenhum quitute original, mas enfeita o Abará Móvel com luzes e renas – estas, feitas de espuma envoltas com papel laminado.

Um de seus objetivos atuais é juntar o dinheiro do seu trabalho para comprar a casa própria. Como nesse momento ele fala em Deus, aproveitei para perguntar se ele tem alguma religião: “Eu sou espiritualista”, diz rápido e sorridente. Depois de muito tempo de conversas e observações, me despeço, ele brinca: “É só isso mesmo? (risos) Bem rápida e original igual a mim! (risos)”. Com as mãos avermelhadas pelo camarão, ele se despede da mesma forma que me cumprimentou: “Uma boa tarde originalizada pra você!”.Aperto seu pulso, e agradeço, me sentindo energizada.


Este texto também está lá, no Jornal O Bozó.